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Foto do escritorLetícia Méo

Para não nos conformarmos mais com a perda de tempo (e de vida) no trânsito.

Sobre valorização do nosso tempo, mundo pós-apocalíptico e homeoffice.






Em época de pandemia, deixamos de lado muitas amarras e repensamos nossa forma de viver e de trabalhar. Tenho percebido que um dos melhores livramentos comentados por familiares, amigos e colegas é o do caótico trânsito.

Se você vive em São Paulo ou em outras capitais (ou até mesmo em outras cidades em que, infelizmente, o movimento de carros é muito maior do que comporta), sabe bem do que estou falando.

Acreditem: em São Paulo, eu já cheguei a demorar quase QUATRO horas, para andar um percurso de menos de 5 quilômetros (e estava de carro!). Não é exagero, nem brincadeira ou história para boi dormir. Era uma sexta-feira chuvosa, eu tentava ir embora do meu antigo trabalho na Juscelino Kubitschek, para encontrar o meu marido em Pinheiros, bairro em que ele trabalha.

Era o horário da bruxa de São Paulo: 19h (se bem que, de uns anos para cá, a bruxa está solta a qualquer hora do dia). Eu estava de UBER e já tinha demorado quase 1 hora, para conseguir um motorista disponível. Não podia descer para ir a pé, porque chovia, estava escuro e eu estava grávida.

Esse foi um dia atípico? Claro que foi! Mas, diariamente, eu demorava cerca de 1h para ir para o trabalho e mais 1h para voltar (em dias bons!).

Isso porque: (i) era privilegiada e ia e voltava de carro; (ii) a distância era de menos de 10 km; (iii) tentava fazer horários alternativos (tentava…).

Eu não usava transporte coletivo. Não porque não gostasse, mas teria que pegar três transportes para ir e outros três para voltar. Vejam bem, não morava há quilômetros e quilômetros do trabalho; estava na zona oeste-central, querendo ir para o início da zona sul (onde o caos já imperava, mas ainda não como em outras regiões ainda piores).

Tentei de tudo. Comecei a ir de carro próprio. Ouvia música e observava as pessoas e os lugares… Não aguentei dirigir por tanto tempo, enfrentando os impulsos doidos de outros motoristas e pedestres estressados, que também não aguentavam mais aquela situação.


Passei a ir de táxi ou de Uber, para tentar ter um tempo produtivo no trânsito. Porém, além de gastar muito dinheiro, eu não conseguia… o estresse com aquela situação toda me consumia e alguns motoristas não percebiam que eu estava lá, tentando trabalhar…

(Sempre gostei de bater papo! E muitos, muitos motoristas me animaram nos dias difíceis com ótimas conversas! Mas, fica a dica: tem que perceber os momentos em que a pessoa quer conversar e outros em que ela precisa trabalhar…)

E, sabe o que é pior? As frases mais recorrentes que eu ouvia sobre o trânsito, vindas de colegas de trabalho, família, amigos e outras pessoas que encontrava na vida era: é normal, temos que nos adaptar a esse caos, todo mundo se adapta, sabemos que São Paulo não tem mais jeito, é trânsito a toda hora, melhor não pensar nisso, só tende a piorar…

Ou, então, a frase que mais me doía era: é assim mesmo... em São Paulo, você tem que se programar e sair horas antes do seu compromisso.

Quer dizer, você permanece no ambiente do seu trabalho, pelo menos, por 9 horas do dia. (pelo menos!)

Além disso, você demora cerca de 1 hora para ir e 1 hora para voltar (isso, pensando em pessoas que, como eu, possuem determinados privilégios!). Está somando? Já são 11 horas do seu dia. Fora isso, você quer / precisa ter tempo para se exercitar, estar com a família, cuidar da casa, encontrar esporadicamente alguns amigos, estudar, dormir bem…

Será que todo mundo se adapta mesmo? Ou será que apenas nos conformamos com a situação e continuamos a perder horas e horas produtivas e de descanso / bem-estar no trânsito?

Já pararam para pensar o quanto esse estresse diário impacta na qualidade do nosso trabalho?

É claro que a rotina que temos de homeoffice nesse momento de pandemia não é um exemplo exato a seguir, porque não foi programada e tem sido bastante difícil para grande parte das pessoas.

Possuímos filhos que não vão para a escola, não conseguimos mais contar com ajuda de profissionais domésticos ou com rede de apoio de família e amigos.

Hoje, temos que trabalhar, limpar a casa, ser professor em tempo integral dos filhos, cozinhar, lidar com notícias sobre pandemia e política desgovernada (se bem que, sobre essa última, já estamos mais do que acostumados).

Não podemos nos desiludir com o homeoffice, por estarmos na época em que nos encontramos. Esse não é o trabalho remoto ideal!

Mas, pensem bem! Em um cenário pós-apocalíptico, teríamos, aproximadamente, duas horas a mais! Finalmente, poderíamos parar de pensar: preciso de mais horas no meu dia!

Poderíamos dormir um pouco mais, exercitar o corpo, meditar, estudar, ler um livro, ver notícias, tomar um café da manhã mais calmo e saudável, um banho um pouco mais relaxante….

Poderíamos abraçar nossos filhos, pais, esposos e esposas.. Um abraço mais longo, mais demorado, aconchegante e presente… sem pensar em correr, porque, no minuto seguinte, tem que voar de casa para enfrentar o trânsito caótico.

Quanto você conseguiria construir ou deixar de melhor para o mundo, tendo duas horas a mais em seu dia?

Além disso, poderíamos trabalhar mais em casa ou, se quiséssemos, em outros ambientes que nos deixassem alegres (com boas conexões de internet): um café, um restaurante, um parque, um quintal, um workplace…

Poderíamos nos encontrar fisicamente para reuniões mais produtivas (chega de reuniões desnecessárias, apenas por estarmos fisicamente próximos!). Prepararíamos mais esses encontros, já que refletiríamos mais sobre a sua necessidade, sobre o valor do tempo produtivo do outro.

(Sobre esse ponto, vejam o texto ótimo do Matheus de Souza, que trata de reuniões improdutivas, que poderiam ter sido um email ou uma troca de mensagens).

Pensem, ainda mais, no efeito social do homeoffice organizado. A consequência direta do trabalho remoto é a diminuição de trânsito e de movimento nas ruas. Quem realmente precisa estar presente fisicamente no trabalho, também o faria com mais calma, porque enfrentaria menos tempo perdido de deslocamento.

Quer uma reflexão social ainda maior? Quantas pessoas a mais as equipes de salvamento conseguiriam resgatar, por não estarem presas no trânsito? Quanto as pessoas que necessitam do transporte público coletivo teriam uma vida mais saudável, menos enlatada e menos submetida a aglomerações? Quanto de poluição atmosférica diminuiríamos?

Hoje, o valor maior que temos não é o dinheiro. É o nosso tempo. É clichê, mas ele voa. Os nossos Tribunais estão cada vez mais concedendo indenizações pelo tempo perdido, justamente porque não podemos recuperá-lo...

Que tal, no momento pós-apocalíptico (que, em breve, há de chegar!), continuarmos dando a nós mesmos, a nossos funcionários, a equipes e a toda sociedade, a oportunidade de usufruir melhor do seu tempo, sendo mais felizes e produtivos, por meio do trabalho remoto?

Percebam que a tendência ao homeoffice vai aumentar. As empresas e os escritórios que não oferecerem o trabalho remoto institucionalizado, ainda que por alguns dias da semana, certamente, terão pontos a menos, na hora de serem escolhidas por bons profissionais. Olhem essas notícias:

Na pandemia, livramos-nos de amarras, supérfluos e preconceitos… Levem para a vida aquilo que mais valorizaram nesse momento conturbado. Façam isso por vocês e pelo mundo.

Essa fase (passageira!) nos mostra ainda mais que não devemos viver conformados com aquilo que podemos mudar.

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